Embaixada da República Popular da China no Brasíl • O Embaixador Li Jinzhang Concedeu Entrevistra sobre a Cooperação Comercial entre China e Brasil
Embaixada da República Popular da China no Brasíl. 2017-12-26
Nos últimos dias, o Embaixador Li Jinzhang concedeu uma entrevista ao Valor Econômico, respondendo perguntas sobre a cooperação comercial entre China e Brasil. Veja a íntegra da entrevista:
1. O Brasil está se recuperando lentamente da pior recessão em cem anos e a situação política ainda apresenta incertezas. Por que empresas chinesas ainda compram ativos no Brasil?
Embaixador Li: As empresas chinesas de fato experimentaram dificuldades com a recessão da economia brasileira nos últimos dois anos, mas elas sempre ficaram do lado do povo brasileiro nesse momento adverso, algumas até aumentaram seus investimentos. Além de ajudar na recuperação econômica, o mais importante é demonstrar à comunidade internacional a confiança no futuro desenvolvimento do Brasil. É nos tempos maus que conhecemos os amigos bons. Em tempos de crise, a confiança vale mais do que ouro. Posso dizer que o investimento chinês, de certa forma, deu um importante impulso à recuperação da economia brasileira.
Evidentemente também é uma decisão estratégica para muitas empresas chinesas manter uma parceria de longo prazo neste País. Apesar dos contratempos, o Brasil é um país com vasto mercado, sólido sistema financeiro e estabilidade política, e apresenta boas tendências de crescimento em médio e longo prazo. Tudo indica que a economia segue uma trajetória de recuperação gradual e entrará num novo ciclo de prosperidade. A cooperação econômica e comercial entre a China e o Brasil conheceu um rápido crescimento neste ano, de maneira que a China se tornou uma das principais fontes de investimento estrangeiro no Brasil. Baseada na enorme complementaridade, a parceria sino-brasileira colherá maiores frutos com a solidariedade nos momentos difíceis.
2. Até o momento, o investimento chinês foca mais nos ativos existentes, por exemplo a concessão de usinas hidrelétricas pelo CTG, a aquisição da CPFL pela State Grid, a participação do Grupo HNA no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, a compra do Terminal de Contêineres de Paranaguá pela CMPort. Por que empresas chinesas não têm interesse nos projetos de construção, como novas ferrovias e rodovias?
Antes de tudo, gostaria de salientar que as áreas de cooperação entre os dois países são muito amplas e os investimentos estão cada vez mais diversificados. No que diz respeito à infraestrutura de transporte, a experiência da China é construir estradas para chegar à prosperidade. Durante sua visita à América Latina em 2014, o presidente Xi Jinping definiu a infraestrutura como uma das áreas prioritárias da cooperação com a América Latina, o que também deixou claro o foco e a direção da cooperação sino-brasileira. As empreiteiras chinesas possuem vantagens em tecnologia, experiência e capital e têm grande interesse na construção de infraestrutura no Brasil. Em 2015, China, Brasil e Peru chegaram ao consenso sobre promover a construção da Ferrovia Transoceânica. Empresas chinesas concluíram, em dois anos, o estudo básico de viabilidade, e estão dispostas a implementar o projeto em etapas e de forma fatiada, concretizando assim o sonho do século do Brasil e da América Latina. Interessadas no Programa de Parceria de Investimento, empresas chinesas queriam também formar consórcios, com base nas regras do mercado, para participar da construção de ferrovias como FIOL para melhorar o sistema de logística brasileiro.
Além disso, quero enfatizar que, com a aquisição de participações acionárias em empresas de energia e portos, empresas chinesas vão compartilhar com parceiros brasileiros suas tecnologias e experiências gerenciais, o que aumenta a eficiência e rentabilidade das empresas. Tratam-se de ações de mercado que trazem benefícios para ambos os lados.
3. Quais são as principais dificuldades que as empresas chinesas encontram no Brasil? Licença ambiental, incerteza do marco regulatório, problemas trabalhistas, ou outros?
Brasil tem um robusto mecanismo de mercado e sistema legal completo. Empresas chinesas com operações no país estão se adaptando ao ambiente de negócios e se empenhando em cumprir a legislação trabalhista e ambiental. Porém, nada é totalmente perfeito e sempre há margem para melhora. Como qualquer empresa estrangeira em operação neste país, investidores chineses também enfrentam algumas perplexidades, como por exemplo, o complexo sistema tributário. Os dois governos estão dialogando para resolver juntos esses problemas. À medida que empresas chinesas se familiarizam com o mercado brasileiro, o governo brasileiro aprofunda as reformas e os dois lados promovem facilitações para o investimento, esperamos que os problemas diminuam gradativamente.
4. Alguns meses atrás, foi anunciado o Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva com aporte de US$ 20 bilhões. Quando o primeiro lote será alocado? Já há alguns projetos na mira pelo lado chinês?
O Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva foi lançado em maio deste ano. É um mecanismo financiado e administrado pelos dois governos, as decisões são tomadas em conjunto para beneficiar ambos os lados. O fundo é destinado sobretudo a projetos de infraestrutura no território brasileiro. Trata-se de um fundo soberano que opera de acordo com os princípios do mercado e, ao mesmo tempo, confere o papel orientador aos governos, com o objetivo de fomentar um salto qualitativo da nossa parceria. Atualmente, os dois lados estão em frequentes consultas para avaliar os benefícios socioeconômicos, a rentabilidade e outras condições dos projetos inscritos. Estamos trabalhando para definir a lista dos projetos chaves para que o fundo exerça sua função o quanto antes.
5. Quase um terço das medidas de defesa comercial aplicadas pelo governo brasileiro é contra produtos chineses. Estão analisando novas taxas ao aço chinês. O senhor acha que o Brasil exagerou nas medidas de defesa comercial contra a China?
Devemos ter uma visão dialética dos contenciosos comerciais entre os dois países. Por um lado, é normal isso acontecer considerando o volume comercial bilateral. Em 2016, o comércio Brasil-China faturou US$ 67,6 bilhões. Só de janeiro a setembro deste ano, esse volume já ultrapassou US$ 66,5 bilhões, com um aumento de quase 30% sobre o mesmo período do ano passado. É essencial que os dois lados adotem uma atitude de respeito, cooperação e benefício recíproco para tratar, de forma adequada, esses litígios e divergências conforme as regras da OMC e através de diálogos e consultas. Por outro lado, o Brasil sempre tem um enorme superávit no seu comércio com a China: mais de US$ 23 bilhões em 2016 e acima de US$ 24 bilhões nos três primeiros trimestres deste ano. Embora não busque um equilíbrio comercial absoluto e esteja disposta a aumentar o acesso ao seu mercado, a China também espera a colaboração do lado brasileiro para eliminar em conjunto as barreiras comerciais e promover a liberalização e a facilitação do comércio através de maneiras proativas que tragam benefícios e resultado proveitoso para os dois lados. Assim, construiremos uma versão atualizada da nossa parceria econômica e comercial.
6. Em 11 de dezembro de 2016, terminou o período de transição de 15 anos para a adesão da China à OMC. No entanto, o Brasil ainda não reconhece o status de economia de mercado da China. Isso afeta as relações bilaterais? A China ainda tem a expectativa de receber esse reconhecimento do Brasil? Ficou decepcionada com a posição atual do governo brasileiro?
Primeiro, precisamos deixar claro o que é “status de economia de mercado”. Não há esse conceito nas regras multilaterais da OMC, tampouco os critérios de definição pela organização. Desde a implementação da política de Reforma e Abertura, a China estabeleceu e vem aperfeiçoando a economia socialista de mercado, uma prática amplamente reconhecida pela comunidade internacional. O recém-concluído 19º Congresso do Partido Comunista da China propôs acelerar o aprimoramento desse modelo econômico, o que evidencia a determinação da China de persistir nas reformas orientadas pelo mercado.
Quer se reconheça ou não o status de economia de mercado da China, é preciso abolir, do dia 11 de dezembro de 2016 em diante, o cálculo do dumping sobre produtos chineses com base em preços de terceiros países, conforme as disposições do artigo 15 do Protocolo de Acessão da China. Isso é claro e incontestável. Portanto, desde que abandone essa metodologia nas investigações e decisões antidumping contra a China, considera-se que as obrigações em tratados internacionais são cumpridas, as regras da OMC são respeitadas e as preocupações fundamentais da China atendidas.
7. Atualmente, o Brasil vende principalmente produtos agrícolas e minério de ferro à China e compra dela produtos manufaturados. Como tornar este comércio mais equilibrado?
O equilíbrio do comércio entre a China e o Brasil pode ser analisado sob várias perspectivas. Deixemos de lado o fato de que o valor da exportação brasileira é muito mais alto que o da importação do seu parceiro asiático, a minha opinião sobre sua pergunta é a seguinte: nos últimos anos, o comércio bilateral mantém-se em nível alto graças às vantagens complementares dos dois países, o que alavancou o crescimento econômico de ambos os lados. Essa parceria encontra-se num novo momento histórico e os dois países estão fazendo esforços concertados para a transformação e modernização desse comércio:
Primeiro, a iniciativa de “Um cinturão e uma Rota” e a cooperação de capacidade produtiva contribuirão para a ampliação e o salto qualitativo das cooperações econômica e comercial. A China está disposta a coordenar sua estratégia de desenvolvimento com a parte brasileira, promover a construção da infraestrutura do Brasil e testar novos modelos como o estabelecimento conjunto de polos industriais e parques de ciência e tecnologia, dando impulso à transformação estrutural da economia brasileiras para subir nas cadeias de produção e de valor. O Brasil também é uma prioridade para a China na cooperação em capacidade produtiva, sobretudo em áreas como infraestrutura, agricultura, energia, telecomunicações e equipamentos maquinários. A China vai incentivar suas indústrias de alta qualidade e responsabilidade ambiental a investirem no Brasil, auxiliando no processo de reindustrialização e digitalização industrial, bem como na nacionalização de produtos manufaturados, tanto agrícolas como industriais. Com isso, será agregado mais valor às exportações brasileiras e aprimorada a composição do comércio bilateral, abraçando, assim, a nova onda da revolução industrial
Por outro lado, devemos aproveitar a oportunidade criada pela expansão da abertura chinesa. O relatório do 19º Congresso do Partido Comunista da China prevê políticas de alto nível para a liberalização e facilitação de comércio e investimento com melhoras substanciais do acesso ao mercado. Nos próximos quinte anos, estima-se que a China vai comprar US$ 24 trilhões em mercadorias. Para ajudar o contato com o mercado internacional, terá lugar em novembro de 2018 em Xangai a primeira Feira International de Importação. Já convidamos o Brasil para essa feira com o intuito de ampliar a exportação de produtos de interesse para a China. Acredito que isso sirva para elevar a parceria bilateral a um novo patamar.