Arco Mineiro na Venezuela viola soberania, democracia e direitos

Decreto de Maduro “amputa” área de 112 mil km2, superfície maior que Bulgária, Cuba e Portugal, e escancara para 150 multinacionais de 35 países explorarem centenas de milhões de toneladas de minerais, como bauxita, ouro, cobre e diamantes, por até 40 anos, comprometendo também as principais fontes de água doce que abastecem as centrais hidrelétricas – geradoras de 70% da energia do país. Atropelo à Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV) anula também os direitos de reunião, trabalhistas, sindicais e de associação dos moradores da zona, equivalente a 12% do território nacional. Integrantes da Plataforma pela Anulação do Arco Mineiro do Orinoco e da Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição, ex-ministros e parlamentares chavistas, juristas, intelectuais, movimentos sociais e indígenas defendem a imediata revogação do disparate entreguista, “feito sem qualquer estudo de impacto ambiental ou consulta às comunidades afetadas”. “A partir do colapso do modelo rentista, é urgente deter a crise e buscar saídas viáveis ao atoleiro em que se encontra o país”, sublinham.

Após intensa mobilização comandada pelo presidente Hugo Chávez, um referendo popular aprovou em 1999 a atual Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV), marco anti-imperialista que colocou o país como referência de soberania, democracia e de direitos humanos, sociais e trabalhistas para os povos do mundo.

Na contramão dos ensinamentos e compromissos nacionalistas de Chávez – e atropelando a Constituição Bolivariana -, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, promulgou em 24 de fevereiro de 2016 o decreto nº 2.248, criando a “Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional Arco Mineiro do Orinoco (AMO)” e, mais recentemente, patrocinou um arremedo de Assembleia Nacional Constituinte, conflagrando ainda maisDe­creto de Ma­duro “am­puta” área de 112 mil km2, su­per­fície maior que Bul­gária, Cuba e Por­tugal, e es­can­cara para 150 mul­ti­na­ci­o­nais de 35 países ex­plo­rarem cen­tenas de mi­lhões de to­ne­ladas de mi­ne­rais, como bau­xita, ouro, cobre e di­a­mantes, por até 40 anos, com­pro­me­tendo também as prin­ci­pais fontes de água doce que abas­tecem as cen­trais hi­dre­lé­tricas – ge­ra­doras de 70% da energia do país. Atro­pelo à Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela (CRBV) anula também os di­reitos de reu­nião, tra­ba­lhistas, sin­di­cais e de as­so­ci­ação dos mo­ra­dores da zona, equi­va­lente a 12% do ter­ri­tório na­ci­onal. In­te­grantes da Pla­ta­forma pela Anu­lação do Arco Mi­neiro do Ori­noco e da Pla­ta­forma Ci­dadã em De­fesa da Cons­ti­tuição, ex-mi­nis­tros e par­la­men­tares cha­vistas, ju­ristas, in­te­lec­tuais, mo­vi­mentos so­ciais e in­dí­genas de­fendem a ime­diata re­vo­gação do dis­pa­rate en­tre­guista, “feito sem qual­quer es­tudo de im­pacto am­bi­ental ou con­sulta às co­mu­ni­dades afe­tadas”. “A partir do co­lapso do mo­delo ren­tista, é ur­gente deter a crise e buscar saídas viá­veis ao ato­leiro em que se en­contra o país”, su­bli­nham.

Após in­tensa mo­bi­li­zação co­man­dada pelo pre­si­dente Hugo Chávez, um re­fe­rendo po­pular aprovou em 1999 a atual Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela (CRBV), marco anti-im­pe­ri­a­lista que co­locou o país como re­fe­rência de so­be­rania, de­mo­cracia e de di­reitos hu­manos, so­ciais e tra­ba­lhistas para os povos do mundo.

Na con­tramão dos en­si­na­mentos e com­pro­missos na­ci­o­na­listas de Chávez – e atro­pe­lando a Cons­ti­tuição Bo­li­va­riana -, o pre­si­dente da Ve­ne­zuela, Ni­colás Ma­duro, pro­mulgou em 24 de fe­ve­reiro de 2016 o de­creto nº 2.248, cri­ando a “Zona de De­sen­vol­vi­mento Es­tra­té­gico Na­ci­onal Arco Mi­neiro do Ori­noco (AMO)” e, mais re­cen­te­mente, pa­tro­cinou um ar­re­medo de As­sem­bleia Na­ci­onal Cons­ti­tuinte, con­fla­grando ainda mais o país.

Com o ob­je­tivo de ter acesso “emer­gen­cial” a di­visas, e sob a ale­gação de que vi­sava su­perar o “mo­delo ren­tista” com­ple­ta­mente de­pen­dente do pe­tróleo, Ma­duro deu sinal verde para 150 mul­ti­na­ci­o­nais de 35 países ex­plo­rarem, em larga es­cala – e até por quatro dé­cadas! -, ja­zidas de ouro, di­a­mantes, coltan (ouro azul), cobre, ferro e bau­xita, entre ou­tros mi­ne­rais es­tra­té­gicos.

Apesar da pom­po­si­dade do nome da “Zona» e da ne­ces­si­dade real de con­se­guir os re­cursos – uma vez que o país está mer­gu­lhado na de­pressão, de­vido à cri­mi­nosa sa­bo­tagem im­pe­ri­a­lista e à inação do pró­prio go­verno – a opção re­pre­senta, evi­den­te­mente, uma sub­missão aos amos es­tran­geiros.

Com ex­tensão ter­ri­to­rial de 111.843,70 km², su­per­fície maior do que Por­tugal (92.212 km²), Cuba (109.212 km²) e Pa­namá (79.569 km²), o AMO cor­res­ponde a 12,2% do ter­ri­tório ve­ne­zu­e­lano e ser­virá à ex­plo­ração de cen­tenas de mi­lhões de to­ne­ladas de mi­nério, num em­pre­en­di­mento em que o Es­tado par­ti­ci­pará com 55% das ações e as trans­na­ci­o­nais com os ou­tros 45%.

Tal per­cen­tual su­pe­rior de ações nas mãos do go­verno po­deria gerar al­guma ilusão sobre quem vai de­ter­minar a di­reção do em­pre­en­di­mento. Mas a forma não con­segue mas­carar o con­teúdo, al­ta­mente da­noso, pois o fato é que com “o pa­ga­mento de seu sub­solo às trans­na­ci­o­nais, está se ge­rando outro ren­tismo”, avalia o ex-de­pu­tado cons­ti­tuinte Freddy Gu­tiérrez, ad­vo­gado geral da União, que foi da Co­missão In­te­ra­me­ri­cana de Di­reitos Hu­manos e da Unasul (União das Na­ções Sul-Ame­ri­canas). Para o ad­vo­gado, “é ab­so­lu­ta­mente ab­surdo pensar que a Ve­ne­zuela, que neste mo­mento não tem fluxo de caixa, en­te­sou­ra­mento, tenha força di­ante de uma mul­ti­na­ci­onal com dó­lares, li­bras es­ter­linas ou francos suíços”. Assim, lo­gi­ca­mente, “o do­mínio as­so­ci­a­tivo será da trans­na­ci­onal, com seu ca­pital, e que por isso vai contar com de­so­ne­ra­ções al­fan­de­gá­rias e no pa­ga­mento de tri­butos. A elas, in­clu­sive, vai ser dado um re­gime tra­ba­lhista dis­tinto”.

Am­pu­tação

O mais grave, no en­tanto, as­si­nala Gu­tiérrez, é que “o Arco Mi­neiro re­pre­senta um país dentro de outro país”. “Não foi isso que pen­samos como cons­ti­tuintes. Não pode haver uma re­pú­blica dentro de outra re­pú­blica. Nós en­ten­demos que a Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela é única e in­di­vi­sível e este de­creto é uma am­pu­tação de um es­paço fan­tás­tico, ex­tra­or­di­nário do nosso país”, con­denou o ex-de­pu­tado.

Muito di­fe­rente da en­ro­lação de Ma­duro, a Cons­ti­tuição Bo­li­va­riana é clara: “a ce­le­bração dos con­tratos de in­te­resse pú­blico na­ci­onal irá re­querer a apro­vação da As­sem­bleia Na­ci­onal nos casos que de­ter­mine a lei”. Por isso es­ta­be­lece em seus ar­tigos 150 e 187 que “não po­derá ser ce­le­brado con­trato algum de in­te­resse pú­blico mu­ni­cipal, es­ta­dual ou na­ci­onal com Es­tados ou en­ti­dades ofi­ciais es­tran­geiras ou com so­ci­e­dades não do­mi­ci­li­adas na Ve­ne­zuela, nem trans­ferir-se a eles sem a apro­vação da As­sem­bleia Na­ci­onal”. O de­creto também faz tábua rasa do ar­tigo 129 da atual Cons­ti­tuição, que de­ter­mina que “todas as ati­vi­dades sus­ce­tí­veis de gerar danos aos ecos­sis­temas devem ser pre­vi­a­mente acom­pa­nhadas de es­tudo de im­pacto am­bi­ental e so­ci­o­cul­tural”.

Di­ante do sem nú­mero de abusos e agres­sões, li­de­ranças cha­vistas his­tó­ricas en­tre­garam um do­cu­mento na Sala Po­lí­tico-Ad­mi­nis­tra­tiva do Tri­bunal Su­premo de Jus­tiça, so­li­ci­tando a anu­lação do de­creto. Con­de­nando a “in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade e ile­ga­li­dade” da me­dida go­ver­na­mental, vá­rios ex-mi­nis­tros de Chávez fir­maram o do­cu­mento, como Ana Luisa Osório (Meio Am­bi­ente), Héctor Na­varro (Energia Elé­trica), Gus­tavo Már­quez Marín (In­dús­tria e Co­mércio/In­te­gração e Co­mércio Ex­te­rior), Ramón Ro­sales Li­nares (Pro­dução), ge­neral Clíver Al­calá (De­fesa) e os re­no­mados ati­vistas pelos di­reitos hu­manos e am­bi­en­tais, Juan García Vi­loria, di­ri­gente da Maré So­ci­a­lista; César Ro­mero, San­tiago Ar­co­nada; Le­o­nardo Simón Do­mín­guez e Ed­gardo Lander.

No do­cu­mento, as li­de­ranças ex­pli­citam que “o ato ad­mi­nis­tra­tivo di­tado pelo pre­si­dente vi­o­lenta não só di­reitos fun­da­men­tais con­tem­plados na Cons­ti­tuição Bo­li­va­riana de 1999, mas também dis­po­si­tivos nor­ma­tivos na­ci­o­nais e in­ter­na­ci­o­nais, tanto em ma­téria de or­de­na­mento ter­ri­to­rial, pro­teção de povos in­dí­genas, am­bi­ente, di­reitos tra­ba­lhistas e prin­cí­pios tri­bu­tá­rios, assim como pro­ce­di­mentos téc­nico-le­gais para a cri­ação da Zona que ali se es­ta­be­lece e de­li­mita”.

“Todos nós, que en­tramos com a ação ou fomos mi­nis­tros do pre­si­dente Chávez ou co­la­bo­ra­dores pró­ximos dele, es­tamos fa­zendo uma de­mar­cação ética. Es­tamos nos de­mar­cando, neste caso, do pre­si­dente Ma­duro, porque vai contra o que o pre­si­dente Chávez nos deixou”, re­sumiu Ramón Ro­sales.

Também in­te­grante da Pla­ta­forma pela Anu­lação do De­creto do Arco Mi­neiro, frente que con­grega os mais am­plos se­tores, Gus­tavo Már­quez Marin avalia que, além de não con­tri­buir em nada para a su­pe­ração da atual crise econô­mica no curto prazo, o AMO ge­rará pro­fundas e graves dis­tor­ções, uma vez que “sim­ples­mente re­produz o mesmo mo­delo ex­tra­ti­vista as­so­ciado ao ren­tismo”. “Esses re­cursos não serão o re­sul­tado da ati­vi­dade pro­du­tiva do país, da ge­ração para agregar valor, do de­sen­vol­vi­mento de ca­deias pro­du­tivas, porque mantêm o es­quema pri­mário-ex­por­tador, igual ao que já temos com o pe­tróleo e o ferro, que se­guem sendo ex­por­tados em bruto”, ana­lisou Marin.

Com­pa­nheiro do então te­nente-co­ronel Hugo Chávez no le­vante do Mo­vi­mento Bo­li­va­riano Re­vo­lu­ci­o­nário 200 (MBR 200) contra o go­verno ne­o­li­beral de Carlos An­drés Perez, o ge­neral Clíver Al­calá Cor­dones foi co­man­dante da Re­gião Es­tra­té­gica de De­fesa In­te­gral (REDI) Guayana. Clíver é irmão do ge­neral re­for­mado Carlos Al­calá, ex-co­man­dante do Exér­cito, atu­al­mente pre­feito de Vargas pelo Par­tido So­ci­a­lista Unido da Ve­ne­zuela (PSUV), e ma­ni­festa-se to­tal­mente contra o pro­jeto. “É a vida dos ve­ne­zu­e­lanos que está em pe­rigo. A am­bição por uma ri­queza vai nos des­troçar de forma abismal. O pre­si­dente deve re­ti­ficar a as­si­na­tura destes do­cu­mentos e deve haver uma dis­cussão prévia antes disso, porque es­tará se com­pro­me­tendo o fu­turo do país se se con­tinua avan­çando nesta lou­cura. É pre­ciso pensar nas co­mu­ni­dades in­dí­genas que não foram con­sul­tadas. Exi­gimos nossos di­reitos e que o Es­tado ex­plique esse tipo de con­tratos”, as­si­nalou.

Em re­lação ao 5 de agosto de 2016, data em que foram as­si­nados con­tratos com em­presas que vão ex­plorar os re­cursos na­tu­rais do AMO, o ge­neral re­for­mado sen­ten­ciou: “este opró­brio, esta ver­gonha, é o ato mais de­son­rado dos úl­timos 200 anos, em­bora o pre­si­dente tenha se re­fe­rido a ele como o ato mais im­por­tante para o país”. “Com uma fi­gura que chamam de me­mo­rando de en­ten­di­mento, es­condem um con­trato de in­te­resse pú­blico em que se vi­olam todas as normas. Falam que 60% dos re­cursos vão para as mis­sões, a fim de ca­tivar o povo no as­salto que estão fa­zendo por meio destes con­tratos”, su­bli­nhou.

Ex-mi­nistra do Poder Po­pular para as Co­munas e Pro­teção So­cial, Oly Millan Campos crê que “para além de uma sim­ples as­si­na­tura de con­tratos, o as­sunto me­dular é que en­quanto se tem um dis­curso muito so­ci­a­lista e re­vo­lu­ci­o­nário, se ma­te­ri­a­lizam re­la­ções que, como uma trama, vão cri­ando e for­ta­le­cendo vín­culos entre o ca­pital in­ter­na­ci­onal, grupos econô­micos tra­di­ci­o­nais e as elites de poder que con­trolam o Es­tado ve­ne­zu­e­lano”.

Di­ri­gente do Par­tido Co­mu­nista da Ve­ne­zuela (PCV), Pedro Eusse acre­dita que “o ren­tismo não sig­ni­fica ne­nhuma pers­pec­tiva de de­sen­vol­vi­mento com so­be­rania”, e su­blinha que “fa­vo­recer trans­na­ci­o­nais em de­tri­mento do ecos­sis­tema não é pro­gres­sista nem re­vo­lu­ci­o­nário”. “A po­lí­tica de ex­tra­ti­vismo mi­neiro tem im­pacto ne­ga­tivo no ter­ri­tório e nos povos que ha­bitam a zona”, frisou.

Apesar dos gra­vís­simos im­pactos que o Arco Mi­neiro trará, “até hoje é im­pos­sível ter acesso à in­for­mação sobre a as­si­na­tura dos com­pro­missos e os con­tratos de ex­plo­ração, pois não está pu­bli­cada em ne­nhum portal es­tatal ou meio de co­mu­ni­cação, são de total des­co­nhe­ci­mento pú­blico as con­di­ções e de­ta­lhes destas ne­go­ci­a­ções”. O alerta do Pro­grama Ve­ne­zu­e­lano de Edu­cação-Ação em Di­reitos Hu­manos (Provea), do Grupo de Tra­balho de As­suntos In­dí­genas (GTAI) da Uni­ver­si­dade dos Andes e do La­bo­ra­tório da Paz (LabPaz) é voz cor­rente e ge­ne­ra­li­zada no país. As en­ti­dades frisam que “também se des­co­nhecem os pa­râ­me­tros, quem é a equipe de pes­qui­sa­dores e sob quais cri­té­rios e normas se estão re­a­li­zando os es­tudos”.

Gold re­serve

O único con­trato ex­posto à opi­nião pú­blica, re­corda a jor­na­lista Scarlet Cle­ment, foi o pac­tuado com a ca­na­dense Gold Re­serve, que re­tornou ao país após sua con­cessão ser sus­pensa em 2009 por Chávez. Pos­te­ri­or­mente, em 2016, a com­pa­nhia firmou um me­mo­rando de en­ten­di­mento com o Exe­cu­tivo, que lhe con­cedeu US$ 769,6 mi­lhões a tí­tulo de “in­de­ni­zação pela es­ta­ti­zação de suas ope­ra­ções” e lhe ga­rantiu o es­ta­be­le­ci­mento de uma em­presa mista para re­tomar as ações.

Res­pon­sável de exe­cutar, sob sua gestão, a re­ti­rada da con­cessão da Gold Re­serve, Ana Luisa Osório iden­ti­fica no re­torno da trans­na­ci­onal um des­com­pro­misso com o fu­turo do país, num tipo de ex­plo­ração que so­mente “afi­ança a ló­gica ren­tista”.

“Este é um acordo que re­verte toda a po­lí­tica da Re­vo­lução Bo­li­va­riana an­ti­ne­o­li­beral, porque de fato está as­su­mindo as con­di­ções que aplica o Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal (FMI) aos países em ma­téria de pro­moção de in­ves­ti­mentos”, pro­testou o ex-mi­nistro Már­quez Marin, ex­pli­cando que o tra­tado “está por de­baixo da Cons­ti­tuição, porque é her­dado e vem desde 1998, é com­ple­ta­mente in­cons­ti­tu­ci­onal”.

Feliz da vida, o di­retor exe­cu­tivo da Gold Re­serve, Rockne Timm, prevê que a com­pa­nhia logo es­teja pro­ces­sando 140 mil to­ne­ladas de mi­ne­rais por dia.
“Que passou com a so­be­rania? Que passou com o anti-im­pe­ri­a­lismo?”, ques­ti­onou o so­ció­logo Ed­gardo Lander. Pro­fessor apo­sen­tado da Uni­ver­si­dade Cen­tral da Ve­ne­zuela (UCV) e In­te­grante da Pla­ta­forma em De­fesa da Cons­ti­tuição, Lander iro­niza: “em um am­bi­ente de tão ge­ne­ra­li­zada cor­rupção, exis­tirão al­guns in­cen­tivos adi­ci­o­nais para que os altos fun­ci­o­ná­rios deste go­verno, au­to­de­no­mi­nado como re­vo­lu­ci­o­nário, con­si­de­rassem con­ve­ni­ente a as­si­na­tura deste con­vênio?”.

O de­creto atenta contra a pró­pria tra­je­tória am­bi­en­ta­lista da Re­pú­blica Bo­li­va­riana. A Ve­ne­zuela foi o se­gundo país a criar um Mi­nis­tério do Meio Am­bi­ente no mundo e o pri­meiro das Amé­ricas. O Mi­nis­tério existiu até se­tembro de 2014, quando foi ex­tinto e fun­dido com outro. Após 37 anos, Ma­duro sim­ples­mente eli­minou o órgão es­tatal com com­pe­tência ex­clu­siva na ma­téria.

E os aten­tados con­ti­nuam. Reitor da Uni­ver­si­dade In­dí­gena de Tauca, o re­co­nhe­cido an­tro­pó­logo Es­teban Emilio Mon­sonyi re­cordou: “somos o pri­meiro país com um me­ga­pro­jeto mi­neiro, sem ne­nhum tipo de con­sulta a seus ci­da­dãos nem às suas co­mu­ni­dades in­dí­genas”. Após ad­vertir que a con­ti­nui­dade do plano mi­neiro com “em­presas de má fama” re­pre­sen­tará “des­lo­ca­mento, mar­gi­na­li­zação e as­fixia so­cial” de et­nias como Yekwana, Pemón e Kariña, Mon­sony foi “de­mo­cra­ti­ca­mente” re­mo­vido do cargo.

O pro­fessor da Uni­ver­si­dade de Tauca, San­tiago Ar­co­nada des­creve o plano como “uma pu­nha­lada” na vida e nos co­fres pú­blicos, uma vez que o de­creto pos­si­bi­lita que as mi­ne­ra­doras co­mer­ci­a­lizem um per­cen­tual de ouro no es­tran­geiro, sem ter nem ao menos que passar pelo Banco Cen­tral da Ve­ne­zuela (BCV). Já o Diário Ofi­cial de 30 de junho de 2015 aponta que “as pes­soas, so­ci­e­dades ou formas de as­so­ci­ação que de­sen­volvem ati­vi­dades de ex­plo­ração de ouro em áreas des­ti­nadas a ati­vi­dades mi­neiras no país de­verão vender ao BCV todo o ma­te­rial au­rí­fero ob­tido”. No­va­mente, a re­a­li­dade des­monta a fan­tasia pseudo-re­vo­lu­ci­o­nária ma­du­rista.

A Pla­ta­forma pela Anu­lação do Arco Mi­neiro do Ori­noco de­fende a anu­lação do de­creto 2248, pois “im­plica em fra­ci­o­na­mento da so­be­rania e na res­trição de di­reitos po­lí­ticos e so­ciais con­tem­plados na Cons­ti­tuição”. Ao mesmo tempo, sus­tenta, o AMO “põe em risco po­pu­la­ções in­dí­genas, a fonte hí­drica mais im­por­tante do país, o for­ne­ci­mento de 70% da ele­tri­ci­dade em nível na­ci­onal e de toda a bi­o­di­ver­si­dade que con­templa a re­gião da Guyana, de­vido à ampla des­truição so­cial, cul­tural e na­tural que im­plicam as di­nâ­micas ex­tra­ti­vistas das mi­ne­ra­doras”.

Na ava­li­ação dos in­te­grantes desta Pla­ta­forma, a en­trega das es­tra­té­gicas ri­quezas mi­ne­rais ao ca­pital es­tran­geiro só agra­vará o “fla­gelo que atu­al­mente en­volve, di­reta e in­di­re­ta­mente, cen­tenas de mi­lhares de pes­soas” sub­me­tidas “a um re­gime pa­ra­es­tatal ad­mi­nis­trado por gan­gues”. “Esta di­nâ­mica tem tra­zido sin­tomas graves de de­com­po­sição so­cial (mas­sa­cres, fossas co­muns), numa de­vas­tação cri­mi­nosa e numa con­ta­mi­nação ace­le­rada dos prin­ci­pais rios do Sul, epi­de­mias na­ci­o­nais de pa­lu­dismo e dif­teria e con­di­ções de tra­balho es­cravo para as de­zenas de mi­lhares que tra­ba­lham nas minas em pe­quena es­cala”. Além disso, as­si­nala, a ca­pi­tu­lação aos di­tames ex­ternos em nada con­tri­buirá para en­frentar “o co­lapso do mo­delo ren­tista que atra­vessa a Ve­ne­zuela, para deter a crise e buscar saídas viá­veis ao ato­leiro em que se en­contra o país”.

Jus­ti­fi­cando a ca­pi­tu­lação

O mi­nistro do Poder Po­pular de Pe­tróleo e Mi­ne­ração e pre­si­dente da Pe­tró­leos de Ve­ne­zuela (PDVSA), Eu­logio Del Pino, jus­ti­fica a ca­pi­tu­lação di­zendo que, com o AMO, o país po­derá elevar sua pro­dução de ouro das atuais 20 to­ne­ladas (TN) anuais para 100 TN, quantia li­mite de pro­dução mun­dial al­can­çada pela África do Sul. “Es­tamos fa­lando de uma ex­plo­ração po­ten­cial de 70 anos, o que sig­ni­fica apro­xi­ma­da­mente US$ 280 bi­lhões”. O mi­nistro pro­jeta que com um re­ser­va­tório de 361 TN, pra­ti­ca­mente três vezes mais do que o se­gundo co­lo­cado na Amé­rica La­tina, o Mé­xico, com 121,4 TN, a Ve­ne­zuela tem todas as con­di­ções de, fi­na­li­zado o pro­cesso de cer­ti­fi­cação e quan­ti­fi­cação, in­cre­mentar suas re­servas atin­gindo mais de 7 mil TN e al­cançar o se­gundo lugar mun­dial.

“Esta de­cisão do pre­si­dente Ma­duro nos afeta porque es­tamos fa­lando de uma ex­plo­ração mi­neira, de ex­tra­ti­vismo, da busca de re­cursos a um alto custo para todos nós. Sig­ni­fica a des­truição dos bos­ques, das ba­cias hi­dro­grá­ficas dos rios mais im­por­tantes da Amazônia ve­ne­zu­e­lana”, res­saltou Cur­ri­paco Gre­gorio Mi­rabal, co­or­de­nador geral da Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Povos In­dí­genas do Ama­zonas (Orpia).

Em março do ano pas­sado, a Or­ga­ni­zação In­dí­gena de Oiyapam, do es­tado Ama­zonas, apre­sentou um di­ag­nós­tico de como di­fe­rentes et­nias já estão sendo afe­tadas pela mi­ne­ração em seus ter­ri­tó­rios. So­mado ao ter­rível pro­blema da se­gu­rança, cau­sado pelas gan­gues cri­mi­nosas, a saúde está um caos, pois ao mesmo tempo em que não há aten­di­mento mé­dico, se mul­ti­plicam os casos de gripe, pa­lu­dismo, tu­ber­cu­lose, di­ar­reia, vô­mitos, fe­bres e ame­bíase, além de en­fer­mi­dades con­ta­gi­osas como a go­nor­reia. A po­lí­tica que está em curso, apontou a or­ga­ni­zação, é de “et­no­ge­no­cídio”, uma vez que a as­si­na­tura de con­vê­nios com in­ves­ti­dores es­tran­geiros para o pró­ximo pe­ríodo “re­nega os di­reitos in­dí­genas con­sa­grados na Cons­ti­tuição”.

A Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela (CRBV) ex­pressa em seu ar­tigo 27: “É um di­reito e um dever de cada ge­ração pro­teger e manter o am­bi­ente em be­ne­fício de si mesma e do mundo fu­turo. Toda pessoa tem di­reito in­di­vi­dual e co­le­ti­va­mente a des­frutar de uma vida e de um am­bi­ente se­guro, são e eco­lo­gi­ca­mente equi­li­brado. O Es­tado pro­te­gerá o am­bi­ente, a di­ver­si­dade bi­o­ló­gica, os re­cursos ge­né­ticos, os pro­cessos eco­ló­gicos, os par­ques na­ci­o­nais e mo­nu­mentos na­tu­rais e de­mais áreas de es­pe­cial im­por­tância eco­ló­gica”.

Autor das dis­po­si­ções am­bi­en­tais da CRBV e ex-pre­si­dente da Co­missão de Meio Am­bi­ente do Se­nado, Ale­xander Lu­zardo, lembra que o es­tado de Bo­lívar, onde está lo­ca­li­zado o AMO, tem desde 1975 a zona pro­te­gida mais ex­tensa da Ve­ne­zuela, quase 80% da sua su­per­fície, dada sua ampla e in­cal­cu­lável bi­o­di­ver­si­dade em bos­ques, selvas e ba­cias hi­dro­grá­ficas.

Apesar de haver um de­creto proi­bindo o uso do mer­cúrio para a mi­ne­ração, ad­vertem as en­ti­dades, nada se fala sobre como as in­dús­trias ex­tra­tivas re­a­li­zarão a ex­plo­ração a céu aberto. Assim, ao não se proibir o uso do ci­a­neto como agente quí­mico em subs­ti­tuição ao mer­cúrio, há uma grande pre­o­cu­pação com o am­bi­ente e a vida não só na re­gião, como nas áreas vi­zi­nhas. Isso porque, ex­plicam os pes­qui­sa­dores do Ins­ti­tuto de Zo­o­logia da UCV, “todos os se­di­mentos e de­tritos quí­micos pro­du­zidos pela mi­ne­ração vão de­sem­bocar no Oceano Atlân­tico e no Mar do Ca­ribe através do Delta do Ori­noco, o que trará im­por­tantes im­pli­ca­ções para os ecos­sis­temas ma­ri­nhos e oceâ­nicos, dentro e fora das nossas fron­teiras”. Por mais ab­surdo que pa­reça, “não existem in­formes pú­blicos es­ta­tais dos pos­sí­veis im­pactos do AMO na re­gião cos­teira do Ca­ribe”.

Viola o di­reito à as­so­ci­ação

O ar­tigo 25 do de­creto en­tre­guista também li­mita a con­for­mação de sin­di­catos, as­so­ci­a­ções ou qual­quer tipo de or­ga­ni­zação, ao as­si­nalar que “os su­jeitos que exe­cutem ou pro­movam atu­a­ções ma­te­riais ten­dentes à obs­ta­cu­li­zação das ope­ra­ções to­tais ou par­ciais das ati­vi­dades pro­du­tivas serão san­ci­o­nados”, da mesma forma que cer­ceia o di­reito à greve, de­ter­mi­nando que “os or­ga­nismos de se­gu­rança do Es­tado re­a­li­zarão as ações ime­di­atas ne­ces­sá­rias para sal­va­guardar o normal de­sen­vol­vi­mento das ati­vi­dades”. “Ne­nhum in­te­resse par­ti­cular, gre­mial, sin­dical, de as­so­ci­a­ções ou de grupos, ou suas nor­ma­tivas, pre­va­le­cerá sobre o in­te­resse geral em cum­pri­mento do ob­je­tivo con­teúdo no pre­sente de­creto”, co­lo­cando o Es­tado por cima dos ci­da­dãos, em clara vi­o­lação aos ar­tigos 53, 68 e 97 da CRBV. Assim, o de­creto mi­li­ta­riza os ter­ri­tó­rios in­dí­genas e pos­si­bi­lita a ju­di­ci­a­li­zação e cri­mi­na­li­zação das or­ga­ni­za­ções que re­a­li­zarem ati­vi­dades na zona.

O fato, avalia Inti Ro­drí­guez, de­fensor de di­reitos hu­manos e co­or­de­nador da área de mo­ni­toria e pes­quisa do Provea, é que “o go­verno ofe­receu como uma das van­ta­gens às em­presas nestes con­vê­nios a pos­si­bi­li­dade ins­ti­tu­ci­onal de não ter que cum­prir com a Lei Or­gâ­nica do Tra­balho nem com as suas normas. E vai além, porque se acres­centam prer­ro­ga­tivas de anular o di­reito à ma­ni­fes­tação e à as­so­ci­ação, con­tando com uma bri­gada es­pe­cial de se­gu­rança mi­litar que pro­te­gerá a estes in­te­resses”.

Pro­je­tando em “dois tri­lhões de dó­lares” o po­ten­cial do Arco, o mi­nistro do De­sen­vol­vi­mento Mi­neiro, Ro­berto Mi­rabal Acosta, apontou a exis­tência de cerca de 200 mi­lhões de to­ne­ladas de bau­xita e de 44 mil to­ne­ladas entre outro e di­a­mantes. “O de­sen­vol­vi­mento da zona será re­a­li­zado sob a fi­gura de em­presas mistas”, en­fa­tizou o mi­nistro, e des­creveu: “agora se es­ta­be­lece que a nação ob­tenha um mí­nimo de 55% de lu­cros, 13% de royal­ties e, além disso, re­ceba o pa­ga­mento do Im­posto Sobre a Renda, o que to­ta­liza mais de 70% das re­ceitas”.

In­fe­liz­mente, isso também está muito longe de ser ver­dade. O ar­tigo 21 do de­creto de cri­ação do AMO es­tampa que a con­versa é uma e a re­a­li­dade é outra, uma vez que “no marco da po­lí­tica se­to­rial, o exe­cu­tivo na­ci­onal po­derá ou­torgar exo­ne­ra­ções to­tais ou par­ciais do Im­posto sobre a Renda e do Im­posto ao Valor Agre­gado (IVA), apli­cá­veis às ati­vi­dades co­nexas à ati­vi­dade mi­neira, a fim de fo­mentar o im­pul­si­o­na­mento e o cres­ci­mento da Zona de De­sen­vol­vi­mento Es­tra­té­gico Na­ci­onal Arco Mi­neiro”. Também em con­tra­po­sição ao enun­ciado go­ver­na­mental, o di­retor exe­cu­tivo da Gold Re­serve as­se­gurou que re­tornou ao país de­vido à mag­ni­tude dos be­ne­fí­cios ou­tor­gados à em­presa, como a exo­ne­ração do pa­ga­mento do Im­posto sobre a Renda, im­postos de­ri­vados da en­trada de bens tan­gí­veis e in­tan­gí­veis, im­postos mu­ni­ci­pais, entre ou­tros pelos quais o Es­tado nada re­ce­berá.
Neste mo­mento, como as mul­ti­na­ci­o­nais que as­si­naram tais con­tratos sabem que eles se en­con­tram num “limbo legal”, estão pres­si­o­nando e ne­go­ci­ando para que a in­cons­ti­tu­ci­onal As­sem­bleia Na­ci­onal Cons­ti­tuinte busque “le­ga­lizá-los”.

Em vez de ace­lerar na marcha à ré, a Pla­ta­forma pela Anu­lação do Arco Mi­neiro enu­mera vá­rias ou­tras ações que po­de­riam ter sido to­madas para o país ca­mi­nhar para a frente, entre elas o en­fren­ta­mento à abu­siva san­gria da dí­vida ex­terna. “Nos úl­timos três anos, foram pagos mais de US$ 60 bi­lhões da dí­vida ex­terna, im­pli­cando numa re­dução de mais de 60% das im­por­ta­ções (in­cluindo co­mida e re­mé­dios), com re­lação a 2012. So­mado a isso, a PDVSA vendeu bônus à Goldman Sachs com 69% de des­conto, re­ce­bendo US$ 865 mi­lhões e tendo que pagar US$ 3,556 bi­lhões em 2022. Em ou­tras pa­la­vras, o go­verno vem en­di­vi­dando frau­du­len­ta­mente o país à custa de que os ve­ne­zu­e­lanos te­nham menos ali­mentos e me­di­ca­mentos. Por isso pro­pomos a sus­pensão do pa­ga­mento da dí­vida du­rante um pe­ríodo de­ter­mi­nado e a re­a­li­zação de uma au­di­toria pú­blica e ci­dadã para cer­ti­ficar que parte da dí­vida é real e que parte é ile­gí­tima e ilegal”.

O des­mo­ro­na­mento do mo­delo ren­tista, avalia a Pla­ta­forma, torna “im­pres­cin­dível que estes e ou­tros pontos de im­por­tância na­ci­onal sejam de­ba­tidos de forma aberta, pú­blica e res­pei­tosa, com todos os se­tores da po­pu­lação ve­ne­zu­e­lana, para além das li­de­ranças da po­la­ri­zação, o que é chave para avançar em saídas de­mo­crá­ticas e pa­cí­ficas à crise”.

Di­ante de tantas evi­dên­cias e apelos ao diá­logo para que o Es­tado ve­ne­zu­e­lano se abs­tenha de re­primir as pes­soas e or­ga­ni­za­ções que ques­ti­onam a vi­a­bi­li­dade do Arco e vi­si­bi­lizam o que re­pre­senta aten­tado à so­be­rania, à de­mo­cracia e aos di­reitos, qual foi a res­posta de Ma­duro? “Quero dizer a estes trai­dores que o Arco Mi­neiro segue”.

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